As ameaças e violações a um meio ambiente sadio e aos direitos indígenas têm sido preocupação gradual na realidade brasileira, de modo que, atualmente, também vislumbramos uma atenção redobrada por parte de organizações internacionais de proteção aos direitos humanos.
Exemplo hodierno é a declaração emitida por Michelle Bachelet, alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que solicitou ao Estado Brasileiro para que respeite concretamente os direitos fundamentais, sobretudo diante dos últimos acontecimentos.
Um dos casos de ainda grande repercussão tem sido o povo Yanomami, etnia indígena brasileira que está presente entre os Estados de Roraima e Amazonas, e que relatam frequentes atos de violência e abusos para com os membros de suas comunidades.
Para além dos diversos casos que estão sob investigação, todavia, muito tem se esquecido acerca do fato de que membros do povo Yanomami foram vítimas do primeiro crime de genocídio reconhecido pela jurisprudência em território brasileiro. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal, em RE: 351487 RR, julgou o caso conhecido popularmente como o “Massacre de Haximu”, ocorrido em julho de 1993.
Na época, em decorrência de rivalidades anteriores, garimpeiros decidiram por invadir a tribo onde, em sua maioria, se encontravam mulheres e crianças, e mataram, a golpes de facão e tiros, doze de seus membros. Foram contabilizados, a princípio, um homem adulto, duas idosas, uma mulher, três adolescentes, quatro crianças e um bebê.
Diante de tal tragédia, o caso chegou ao Judiciário com denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra cinco acusados.
Durante o trâmite processual, tentou-se argumentar, para fins de trazer a competência do tribunal do júri, que a vida é o bem jurídico tutelado no crime de genocídio. No entanto, foi consolidado o entendimento, pelo STJ, de que genocídio é crime contra a humanidade e que, diferentemente do homicídio (cujo elemento subjetivo é matar alguém), o dolo é específico e focado no objetivo de exterminar total ou parcialmente, fisicamente ou culturalmente determinado grupo.
Ao subir e chegar no Supremo Tribunal Federal por meio de Recurso Extraordinário, o tribunal compreendeu a ocorrência do crime de genocídio e manteve a condenação dos acusados. Todavia, estabeleceu que, existindo concurso formal entre homicídio doloso e genocídio no mesmo contexto fático, compete ao tribunal do júri o julgamento de ambos.
Percebe-se, assim, que longa foi a discussão acerca dos aspectos teóricos que rodeiam o crime de genocídio, mas que mesmo assim foi, enfim, reconhecida a sua configuração diante das atrocidades cometidas contra os povos Yanomami.
Não obstante, ainda há um árduo caminho a se percorrer para que haja uma efetiva proteção dos povos indígenas. Obviamente que as violências cometidas contra os últimos devem ser devidamente investigadas para fins de que haja efetiva responsabilização de seus autores. Mas, acima de tudo, deve-se antes prevenir e priorizar políticas públicas que evitem a perpetuação de tais tragédias.
Pérola Amaral Tiosso – Advogada Professora e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e membro da comissão de Direitos Humanos.