O Estatuto do Índio foi instituído pela Lei n. 6.001/73 para regulamentar a situação jurídica dos indígenas, para a preservação de seus usos, costumes e tradições característicos da cultura indígena e a progressiva integração à comunhão nacional.
A Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo a temática indígena, conforme previsto nos artigos 231 e 232, reconhecendo “aos índios a sua organização social, costumes, línguas, tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Identifica-se que o constituinte rompeu com a visão integracionista ao transformar o indígena em civilizado, aculturando-os, assegurando o direito de os índios serem e permanecerem diferentes, integrando-o à sociedade, passando a desrespeitar os seus direitos originários.
Partindo da permissa do cumprimento de objetivos das políticas integracionistas previstas dentre normatizações que buscavam integrar o índio à sociedade, Souza Filho aponta que: “O Estatuto do Índio, portanto, é um retrocesso do ponto de vista teórico em relação à tutela, porque recria a ideia da emancipação e a possibilidade de devolução das terras indígenas ao Estado, justamente por seus titulares perderem a qualidade de índios” (1998, p.103).
O indígena isolado ou em vias de integração, conforme previsto pelo Estatuto do Índio, não se enquadra no rompimento da política integracionista pretendida pela CF/88, logo, conforme o art. 4o parágrafo único do Código Civil de 2002, ao tratar sobre a capacidade relativa dos indígenas o remeteu para a lei especial o seu disciplinamento, portanto, tem-se o regime de tutela para suprir a incapacidade relativa, estando apto a deixar esta condição, quando inseridos na cultura nacional, adaptando-se aos hábitos e costumes não indígenas aliado à inexistência de prejuízo em virtude de ato praticado, considerado capaz para os atos da vida civil. Já o indígena integrado à comunhão nacional e reconhecido no pleno exercício dos direitos civis representa a possibilidade de exceção pois o mesmo demonstra discernimento, aliado à inexistência de prejuízo em virtude de ato praticado, considerado capaz para os atos da vida civil, que conforme Gagliano (2014) não retrata adequadamente a sua atuação situação na sociedade brasileira.
A CF/88 garantindo aos indígenas a manutenção de sua organização social, enxergou-o em sua individualidade, deixando o poder decisório e suas primazias de desenvolvimento para discussão dentro de seu grupo. Neste sentido, o Estado Contemporâneo que estabelece individualismo jurídico (ficção de empresas e estado serem pessoas) “estendeu-se para os povos indígenas, assim um direito originalmente coletivo foi transformado em individual” (SOUZA FILHO, 2003, p. 73).
Reconhece-se o aparato que objetiva a segurança jurídica à comunhão nacional, bem como diante da política integracionista pretendida, o aparato especial que objetiva a segurança jurídica aos indígenas, logo garantindo-lhes a estes últimos os direitos trabalhistas oriundos de contrato de trabalho.
O campo laboral foi aprovado por força do Decreto 5.051, de 19/04/04, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT que passa a integrar o bloco de constitucionalidade, na medida em que trata dos direitos fundamentais dos povos indígenas (art. 5o, §§ 1o e 3o da Carta de 1988, na redação da Emenda 45).
Nos termos do artigo 20 da mencionada normativa internacional tem-se o deve dos Estados adotarem medidas especiais para garantir aos trabalhadores pertencentes a povos indígenas e tribais uma proteção eficaz em matéria de contratação e condições de emprego, na medida em que não estejam protegidos eficazmente pela legislação aplicáveis aos trabalhadores em geral, de forma a evitar a discriminação entre trabalhadores indígenas e trabalhadores não indígenas, especialmente quanto ao (i) acesso ao emprego; (ii) remuneração igual por trabalho de igual valor; (iii) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho todos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados do emprego, bem como a habitação; iv) direito de associação, direito a se dedicar livremente a todas as atividades sindicais para fins lícitos, e direito a. celebrar convênios coletivos com empregadores ou com organizações patronais.
As medidas adotadas deverão garantir dentre outras, especialmente o gozo da “proteção conferida pela legislação e a prática nacionais a outros trabalhadores dessas categoriais nos mesmos setores, e sejam plenamente informados dos seus direitos de acordo com a legislação trabalhista e dos recursos de que dispõem” (art. 20, item 3.a).
Reconhece-se a garantia da norma internacional com status de constitucional no que tange à proteção laboral garantida aos trabalhadores indígenas assegurada aos demais trabalhadores, devendo ser reconhecido o vínculo trabalhista quando presentes os requisitos da relação de emprego, e assegurado a esse trabalhador todos os direitos laborais previstos na legislação trabalhista.
No plano da contratação de trabalhador indígena Lima Filho (2008) salienta que deverá ser respeitado alguns requisitos previstos na Lei 6.0001/73 dada a condição de tutelado do indígena, que deverá ser assistido pelo órgão tutor, bem como ter preservado “seus direitos, organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”(art. 231 da CF/88). Isto porque, o art. 14 do Estatuto do Índio estabelece a não discriminação do trabalhador indígena em relação aos não indígenas:
Não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social.
Parágrafo único. É permitida a adaptação de condições de trabalho aos usos e costumes da comunidade a que pertencer o índio.
Ademais, o artigo 8o do Estatuto pressupõe a assistência de órgão tutor na pactuação de mão-de-obra indígena, sendo “nulos os atos praticados entre índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente”.
Os indígenas não integrados são considerados os que estão isolados ou em vias de integração, conforme art. 4o do Estatuto do Índio:
Art 4º Os índios são considerados:
I – Isolados – Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;
II – Em vias de integração – Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;
III – Integrados – Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.
Neste raciocínio de classificação indígena, a própria lei mencionada estabelece a assistência do órgão tutor não se fará necessária quando o trabalhador indígena revelar “consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão de seus efeitos” ( § único do art. 8o).
Partindo-se da premissa de previsão de direito fundamental ao trabalho do indígena tem-se que “a regra geral é de que para validade do contrato de trabalho celebrado com indígena a assistência do órgão tutor ainda se faz necessária como uma das formas de protegê-lo de eventual exploração” (Lima Filho, 2008, p. 186). A tutela somente será dispensável, se o trabalhador indígena integrado revelar consciência de seu ato e de suas consequências, e desde que não represente prejuízos. Lima Filho (2008) justifica ao apontar que o Código Civil ao prever a capacidade relativa indígena os remete para tutela de legislação especial.
A proteção para a contratação dos trabalhadores indígenas encontra-se prevista no artigo 16 da Lei 6.001/73, que dependerão de prévia aprovação do órgão de proteção ao índio; sendo nulos os atos praticados nas relações interétnicas que possam prejudicar o trabalhador, quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente (art. 8o).
Nas relações interétnicas pactuadas entre empregadores não indígenas e empregados indígenas, “deverão ser assegurados ao trabalhador indígena, ainda quando nula a contratação, todos os direitos dela oriundos como se fosse válida, inclusive as eventuais parcelas resilitórias” (Lima Filho, 2008, p. 188). Isto porque, o artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, estabelece que o empregado poderá pleitear a devida indenização quando “não cumprir o empregador as obrigações do contrato”.
A contratação do trabalhador indígena deve obedecer certos requisitos previstos em legislação trabalhista como os demais trabalhadores, atentando-se a prevenir contra a violação de seus direitos sociais dada à condição de tutelado, o que necessita da subsidiariedade do direito próprio dos povos indígenas, portanto, não se deve integrá-lo na condição de empregado como os demais trabalhadores, o que lhe discriminaria ou excluiria da proteção legal em razão de sua origem.
Lima Filho apud Pereira (2017, p. 103) elenca os preceitos específicos para a validade do contrato de trabalho indígena:
Celebrada a relação empregatícia, caberá verificar a validade da relação partindo-se para a análise dos requisitos de um contrato de trabalho indígena, bem como seus elementos jurídico-formais.
Parte-se a analisar os pressupostos válidos para o negócio jurídico, tal como o contrato entre as partes, conforme o artigo 104 do Código Civil: “I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou defesa em lei”.
A capacidade indígena, a priori, remete-se ao Código Civil de 2002 que não o tratou como relativamente incapaz, mas determinou legislação especial que regulamenta-se a matéria, conforme art. 4º parágrafo único. A legislação que regula a situação jurídica encontra-se prevista no Estatuto do Índio, na qual a concepção depende do grau de integração, e os classifica em: isolados, em vias de integração e integrados.
Portanto, somente serão considerados capazes os índios integrados, ao passo que os não integrados estão sujeitos ao regime tutelar que é exercido pela União, por intermédio da Funai, conforme art. 1º parágrafo único da Lei 5.371/1967: “A Fundação exercerá os poderes de representação ou assistência jurídica inerentes ao regime tutelar do índio, na forma estabelecida na legislação civil comum ou em leis especiais”.
A possibilidade do indígena capaz celebrar negócio jurídico encontra-se interpretada pela Constituição Federal de 1988, que considera pessoa privada plenamente capaz para os atos da vida civil. Corrobora neste sentido, a Convenção 169 da OIT, ao deixar de considerar o indígena absolutamente incapaz, pelo fato de ser índio, estabelecendo ao governo adotar medidas para garantir aos indígenas proteção eficaz em matéria de contratação e condições de emprego.
Sendo assim, a capacidade indígena para celebrar um contrato de trabalho necessita de órgão tutelado, tendo em vista o agente incapaz, conforme estabelecido como regra pelo Estatuto do Índio, o que por outro lado, está em descompasso com a previsão constitucional, bem como a norma internacional com status de constitucional, as quais desprotegem o indígena ao lhe atribuir a capacidade como pessoa privada para os atos da vida civil; que conforme Gagliano (2014) não retrata adequadamente a atual situação brasileira.
Neste sentido, não se deve raciocinar na existência de conflitos de normas, visto que se trata de situação de admite ponderação, mediante a aplicação ao direito próprio dos povos indígenas ao direito do trabalho.
Logo, “a contratação desses indivíduos deve cumprir determinações previstas em lei especial, Constituição, na Convenção 169 da OIT e Estatuto do índio a fim de prevenir a violação de seus direitos dada a condição de tutelado”. (Pereira, 2017, p. 103), e para isto, faz-se necessário os preceitos específicos para a validade do contrato de trabalho indígena.
Considerando que os indígenas, conforme o Estatuto do Índio, ficam sujeitos ao regime tutelar, tem-se que os contratos de trabalho com indígenas dependerão de prévia aprovação do órgão de proteção ao índio, exercendo permanentemente fiscalização das condições de trabalho, denunciando os abusos e providenciando a aplicação de sanções cabíveis.
No plano do termo de rescisão do contrato de trabalho tem-se a necessidade de proteção pelos órgãos competentes, especialmente referente a forma de dispensa e a quitação das verbas trabalhistas, “não devendo ter eficácia sem a assistência da Fundação Nacional do Índio ou do Ministério Público” (Pereira, 2017, p. 105).
A ineficiência das políticas de assimilação e integração forçada imposta aos povos indígenas e a omissão do Estado na questão da demarcação de suas terras tornaram-nas insuficientes para a subsistência do coletivo, o que conforme Machado (2011, p.274) impulsionaram os indígenas a buscar trabalho assalariado fora das aldeias, em um ambiente adverso aos seus costumes.
A inserção dos indígenas no mercado de trabalho demonstra a necessidade de defesa de seus direitos sob duas análises: possuem os mesmos direitos sociais dos outros obreiros que não-indígenas; e precisam de um tratamento diferenciado tendo em vista a sua cultura, necessitando de medidas de preservação.
Destaca-se a necessidade de participação de órgãos estatais que atuam para a defesa dos obreiros, não bastando ter a lei sem ter uma fiscalização adequada das condições de trabalho, que seja eficaz ao respaldo previsto nos instrumentos legais, buscando preservar suas peculiaridades culturais na relação do labor, evitando-se o aviltamento de seus direitos e a existência de discriminação.
Sobre a ausência de tutela indígena nas relações trabalhistas interétnicas, tem-se a reclamação trabalhista, autos n. 0004035-45.2011.5.12.0038 , ajuizada na 2ª Vara do Trabalho de Chapecó/ SC, proposta por Leocir Bellini em face do reclamado Bondio Alimentos S.A – objetivando a nulidade do pedido de dispensa, bem como a condenação da reclamada ao pagamento de parcelas de natureza indenizatória e remuneratória descrita na inicial.
Em sentença proferida em 28/09/2012, a Juíza Titular da 2a Vara do Trabalho de Chapecó/SC, Deisi Senna Oliveira indeferiu o pedido, por entender que ele não tinha comprovado que foi induzido a erro ao assinar a demissão:
DA REVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO – ATO JURÍDICO PERFEITO
A parte-autora postula a reversão do pedido de demissão, alegando que, juntamente com outros colegas de trabalho, assinou documentos de cujo teor não possuía conhecimento. Requer a reversão do pedido de demissão para dispensa sem justa causa.
Sem razão a parte reclamante.
A parte-autora não demonstrou que foi induzida a erro ao formular o pedido de demissão (fl. 128), não tendo se desincumbido de seu ônus de prova (art. 818 da CLT). A condição de indígena do reclamante, por si, não justifica o acolhimento do pedido de reversão. Salienta-se que o vício de consentimento alegado pelo autor tem que ser amplamente demonstrado, o que não ocorreu no caso em questão.
De todo o exposto, rejeita-se o pedido de reversão de demissão para despedida sem justa causa, bem como os pedidos de pagamento do aviso-prévio indenizado, indenização compensatória de 40% do FGTS e liberação de guias do seguro-desemprego.
Também indeferem-se os pedidos de pagamento de férias proporcionais acrescidas de 1/3 e natalinas proporcionais, uma vez que, reconhecido o pedido de demissão, não há que se falar em projeção do aviso-prévio, e consta no TRCT da fl. 129 e no documento da fl. 132 o pagamento de referidas parcelas. (JT Chapecó, 2ª Vara do Trabalho, Juíza Deisi Senna Oliveira, DJ: 28/09/2012).
O trabalhador, então, recorreu ao TRT da 12ª Região (RO 0004035-45.2011.5.12.0038) , que verificou que o trabalhador residia em comunidade indígena e considerou que o fato de ter cursado o ensino fundamental e mantido relação de emprego apenas indicava que estava em vias de integração, razão pela qual a rescisão contratual deveria ter contado com a chancela da Fundação Nacional do Índio- FUNAI. Assim, aponta que havendo especial interesse do Estado em preservar a identidade cultural e social da Reclamante, este deve estender-se ao mundo do trabalho, salientando que: “O parecer do Ministério Público do Trabalho oferecido em 1ª Instância consignou que, diante da ausência de assistência do órgão tutelar do trabalhador indígena, nulo é o ato jurídico”.
Neste sentido, a Desembargadora Redatora do Ministério Público do Trabalho da 12ª Região, Viviane Colucci, em 10/07/2013, deu provimento ao recurso para declarar a nulidade da resolução contratual, convertendo-a em resilição por iniciativa da ré, ocorrida em 02-02-2010 – data informada na inicial como pedido de demissão, tendo em vista que tratando-se de indígenas em vias de integração era necessária a assistência por órgão competente para que fosse válida a homologação da resolução contratual, o que não foi observado no caso dos autos.
A Presidente do TRT da 12ª Região denegou seguimento ao Recurso de Revista interposto pela Reclamada que insistiu na admissibilidade da revista, interpondo agravo de instrumento.
A Relatora Dora Maria da Costa, da 8ª Turma do Superior Tribunal do Trabalho, em síntese, conheceu do agravo de instrumento, dando provimento ao Recurso de Revista (TST-RR-4035-45.2011.5.12.0038), em 24/02/2014, para excluir a condenação as horas objeto de compensação por meio de banco de horas.
No entanto, a Relatora não conheceu o recurso de revista em relação aos demais temas, como “concluiu não haver elementos que indiquem o conhecimento pelo reclamante do ato praticado e de suas consequências, bem como que o reclamante é indígena em vias de integração, razão pela qual a rescisão contratual deveria ter contado com a chancela da FUNAI” (TST, 2014) .
Reconhece-se a relação que a falta de fiscalização na contratação e rescisão dos obreiros indígenas pode acarretar, como a ocorrência de discriminação e a violação dos direitos trabalhistas.
As decisões judiciais apresentadas referentes ao trabalhador indígena Leocir Bellini são emblemáticas a este trabalho por tratar-se primeiramente, a decisão de 1ª instância na qual enquadrou o indígena com capacidade plena para os atos da vida civil, entendendo dispensável a tutela. As decisões de 2ª e 3ª instâncias consagram a necessidade de tutela especial pelo órgão competente ao que tange o contrato de trabalho indígena; ocasião na qual se demonstra em descompasso com a CF/88 e Convenção 169 da OIT que romperam com a política integracionista.
O resultado das normas estatais e internacionais que estabelecem aas políticas integracionistas ficam à deriva do fracasso na atualidade, é o que demonstra a judicialização das relações interétnicas entre empregadores e trabalhadores indígenas em locais de vivência indígena ou não indígena; bem como entre empregadores e trabalhadores não indígenas em locais de vivência indígena.
O resultado das normas estatais e internacionais que estabelecem aas políticas integracionistas ficam à deriva do fracasso na atualidade, é o que demonstra a judicialização das relações interétnicas entre empregadores e trabalhadores indígenas.
Quanto ao que tange o contrato de trabalho indígena, a questão mais recorrente que permeia as decisões do Poder Judiciário refere-se a ausência da presença da FUNAI na contratação e rescisão dos contratos celebrados com indígenas, o que implica na prática de discriminação contra esses, com a falta de pagamento das verbas trabalhistas devidas.
Portanto, a ausência da FUNAI na contratação ou rescisão dos contratos de trabalho indígenas ampara-se no reconhecimento da capacidade civil nos termos da CF/88, o que implica em estabelecer medidas de proteção à comunhão nacional, inclusive quando tiverem seus direitos trabalhistas aviltados; o que por outro lado, não garante a equidade aos trabalhadores indígenas, o que portanto, confronta a legislação do Estatuto do Índio que dispõe ser necessária a assistência da FUNAI, como forma de não aviltamento de direitos, quanto as suas especificidades culturais.
Considerando que as condições de trabalho exercidas por indígenas realizam-se de modo diverso do constante do contrato de trabalho não-indígena; deve-se raciocinar não na colisão de tutelados direitos dos trabalhadores não-indígenas versus trabalhadores indígenas, mas sim na harmonização do Direito do Trabalho ao Direito próprio dos povos indígenas, mediante prévia consulta.
Portanto, o contexto político reconhece que os indígenas estão inserindo-se no mercado de trabalho, o que em virtude de sua integração forçada e seu aculturamento, necessitam de acompanhamento de fiscalização das condições do contrato de trabalho, desde órgãos como a FUNAI, Ministério Público do Trabalho, ou ainda a criação de associações ou sindicatos de trabalhadores indígenas para a defesa de seus interesses e respeito de sua cultura.
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Renata Vieira Meda