Não é de hoje que as oscilações mercadológicas cambiais e as abruptas alterações na “lei” de oferta e demanda influenciam no cumprimento dos contratos envolvendo commodities agrícolas.
Nestes cenários, independentemente do agente prejudicado, as partes buscam reduzir suas perdas, seja por meio da renegociação contratual, como pela judicialização dos contratos, alegando caso fortuito, força maior ou a imprevisibilidade do ato causador.
A pandemia da Covid-19 tem se mostrado uma das grandes responsáveis pelas diversas alterações mercadológicas mundiais, inclusive acarretando na falta de matéria prima e fornecimento de produtos. Mas seria a pandemia a verdadeira responsável pela oscilação dos preços agrícolas?
Antes de tudo, precisamos entender que nem sempre a parte compradora nos contratos envolvendo commodities agrícolas são os destinatários finais. Sem dizer que, a cadeia que envolve o agronegócio depende que todos os players cumpram seu papel para que exista harmonia negocial.
Entretanto, o ano de 2021 será o divisor de águas no quesito responsabilidade negocial e contratual do produtor brasileiro.
De início, ainda que a alta do dólar seja um fator que influencie no preço das commodities, o que tem se vislumbrado no mercado brasileiro envolveu uma gama de fatores, além da própria pandemia, fazendo com que a arroba do boi e o preço da soja e milho tenham alcançado margens históricas.
Poderia, então, o produtor, diante do presente cenário, exigir a revisão dos preços pactuados nos contratos celebrados em 2020 para a safra vindoura? Acredito que esta não seja a melhor opção, por dois simples motivos.
O primeiro envolve o amparo jurídico da referida revisão. Tanto a teoria da imprevisão quanto a própria Lei nº 14.010/2020, que dispõe sobre o regime jurídico especial no período da pandemia, não reconhecem a variação de preço dos produtos em contratos futuro, aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário como fatores imprevisíveis.
Veja: os contratos futuros só existem porque se reconhece a imprevisibilidade do preço de mercado, razão pela qual se busca a referida fixação (hedge); já a variação cambial, se olharmos nos tribunais do país, por décadas já está firmado o entendimento de que a alteração no preço da soja, em decorrência do câmbio, não caracteriza um evento extraordinário e imprevisível.
Superado o primeiro motivo, entramos na “Tentação do Preço”. Digo isto, pois acredito que nenhum produtor brasileiro teria fixado um preço futuro se sua relação de troca não tivesse sido benéfica, razão esta que se extrai a possível armadilha do mercado, em dois pontos.
Primeiro, se analisarmos a grande maioria dos contratos, iremos nos deparar com cláusulas que possibilitam ao comprador adquirir o produto no mercado, pelo preço vigente, caso não seja entregue pelo vendedor. A origem da referida cláusula, denominada de Washout, tem como fundamento indenizar o comprador pela falta do grão, de forma que ele poderá cobrar a diferença entre o pactuado e o vigente, para dar cumprimento ao contrato (lembre-se de que é uma cadeia e normalmente o comprador é um intermediário).
Segundo, além da indenização, temos o efeito rebote do mercado, já que este sempre se ajusta às novas condutas. Caso o mercado passe a entender que os produtores estão predispostos a quebrar os contratos pactuados quando houver oscilação relevante, acarretando na quebra da cadeia de fornecimento, este se autorregulará, reduzindo os valores de mercado no futuro ou inviabilizando algumas operações de antecipação de recebíveis, investimentos ou até mesmo reforçando garantias não usuais.
Veja-se que o mercado se rege pelas condutas de seus agentes, como ocorreu em diversas situações na história, mas o descumprimento deliberado de contratos futuros agrícolas ainda não entrou para estatística, de forma que este ano será de suma importância para que se definam os rumos operacionais do agronegócio brasileiro.
André Bedin Pirajá. Sócio responsável pelo setor de Agronegócio do Pirajá & Yamaguto Advogados Associados
André Bedin Pirajá